Como não podia deixar de ser, o meu pai também tinha que estragar a Páscoa. Se estraga todas as outras festividades, porque haveria esta de ficar de fora? Obviamente, que tinha que dizer/fazer alguma coisa para deixar o seu cunho pessoal, caso contrário não seria ele próprio. Com ele, já passei a fase do ódio, da indiferença, da pena e da compreensão. Atualmente estou na fase da revolta. Revolta-me a maneira como fala com a minha mãe (que lhe desculpa tudo) e a maneira como fala comigo - já que com o meu irmão a história é outra. Revolta-me a maneira como me berra, como me ameaça, como me provoca, como me chama de estúpido, aborto ou anormal, e da maneira que me rebaixa. Apesar de continuar a achar que ele gostará de mim, de uma maneira esquisita e muito própria, também sei que só não me agride porque sabe que agora levará resposta. Não sei... é estranha a necessidade que ele tem de humilhar as pessoas. Sempre o fez, na vida toda, e talvez por isso não tenha muita gente que o adore. Mas isso não invalida o facto, de ele ser como é, e de como nunca nada fez para mudar. Aliás, ele nem precisa de gostar de mim, basta respeitar-me.
É claro que quando precisa de que eu vá à farmácia comprar medicamentos, ou que o leve ao hospital para as consultas, ou de outra treta qualquer, torna-se o homem mais simpático do planeta e o pai mais extremoso do mundo, talvez porque precise, talvez porque se arrependa momentaneamente de ser como é, mas a verdade é que eu não consigo esquecer 36 anos "disto". Talvez esteja a ser muito injusto, porque ao fim ao cabo, ele alimentou-me, pagou-me os estudos (pelo menos parte deles), comprou-me roupa e outras coisas, embora eu tenha sempre sentido um "preço" como contrapartida. Mesmo assim, não me considero rancoroso ou vingativo, mas quando resolvo perdoar, ele consegue fazer-me reviver tudo para trás. Porque embora a agressão verbal, apesar de verbal, consegue por vezes, ser mais física, que a física, e talvez por isso, há 20 anos atrás, nunca lhe tenha pedido desculpa, nem mostrado arrependimento, quando lhe disse: "com tanto homem no mundo, tinhas que ser tu, o meu pai".