"Temos que exterminar esta gente pela raiz (...);
os homossexuais têm de ser eliminados"
Heinrich Himmler, Chefe das SS
[Plant, 1986, p. 99]
Na Alemanha Nazi de Hitler estima-se que nas denominadas "Listas Rosa", tenham identificado mais de 100 mil homossexuais, muitos deles condenados a terapia de "mudança de orientação sexual", outros castrados por ordem do Tribunal, sendo que, sensivelmente 50 mil (número estimado), tenham morrido nos campos de concentração.
Mas mais que números e palavras, deixo ficar apenas o relato de Pierre Steel, cidadão francês, que esteve num campo de concentração por ser homossexual e a única vítima francesa a falar abertamente sobre o assunto:
"Não havia solidariedade para com os prisioneiros homossexuais; pertenciam à casta mais baixa. Outros prisioneiros, mesmo entre eles, costumavam agredi-los.
(...)
Mas tardo em evocar a prova que para mim foi a mais dura, apesar de ter ocorrido nas primeiras semanas do meu encarceramento. Mais do que qualquer outra, contribuiu para fazer de mim uma sombra obediente e silenciosa entre as demais.
Um dia, os altifalantes convocaram-nos para a Appellplatz. Sob os berros e o ladrar dos cães, apresentámos-nos de imediato. Dispuseram-nos em sentido, formando um quadrado, rodeados pelos SS como na chamada da manhã. O comandante do campo estava presente, com o seu estado-maior. Pensava eu que ele iria uma vez mais impingir-nos a sua cega fé no Reich, acompanhada de uma série de directrizes, insultos e ameaças, à imagem das célebres vociferações do grande mestre, Adolfo Hitler. Na verdade, tratava-se de uma prova infinitamente mais penosa, uma condenação à morte. Para o centro do quadrado que nós formávamos, trouxeram um homem jovem, ladeado por dois SS. Horrorizado, reconheci o Jo, o meu doce amigo de dezoito anos.*
Eu não dera pela sua presença no campo. Teria chegado antes ou depois de mim? Não nos tínhamos visto nos poucos dias anteriores à minha convocação pela Gestapo. Senti-me gelar de terror. Tinha rezado para que ele escapasse às rusgas, às listas, às humilhações. E ali estava ele, sob o meu olhar impotente embaciado pelas lágrimas. Ao contrário de mim, o Jo não tinha transportado correio perigoso, arrancado cartazes ou assinado declarações. No entanto, fora preso, e ia morrer. As listas estavam, pois, bem completas. O que se teria passado? O que lhe reprovavam aqueles monstros? Na minha dor, esqueci-me completamente do teor da ata de execução.
Em seguida, os altifalantes começaram a difundir uma ruidosa música clássica, enquanto os SS o desnudavam. Depois, enfiaram-lhe violentamente na cabeça um balde de latão. Lançaram contra ele os ferozes cães pastores alemães, que o atacaram primeiro no baixo ventre e nas coxas, antes de o devorarem perante os nossos olhos. Os seus gritos de dor eram ampliados e distorcidos pelo balde. Rígido e titubeante, com os olhos esbugalhados por um horror sem nome e as lágrimas a correrem-me pelas faces, orei ardentemente para que ele não tardasse a perder a consciência.
Desde então, ainda me acontece frequentemente acordar a meio da noite aos gritos. Decorridos mais de cinquenta anos, aquela cena passa-me incessantemente pela vista. Jamais esquecerei o bárbaro assassinato do meu amor, sob os meus olhos, sob os nossos olhos — porque fomos centenas a testemunhá-lo."
* O Jo era o namorado de Pierre
Moi, Pierre Seel, déporté homosexuel
"Eu, Pierre Seel, deportado homossexual"
[Livro escrito por Pierre Seeel, 1994]
[Livro escrito por Pierre Seeel, 1994]
Colocaste-me uma lágrima no canto da vista :(
ResponderEliminarE, tanto se fala nos judeus, que esquecemos outros que sofreram horrores :(
Vou comprar o livro Francisco. Embora já saiba que vou viver revoltado umas semanas depois. Mas sabes que as críticas ao Holocausto e ao povo Judeu que sofreu aqueles horrores passam também por ai. Houve outras realidades que foram perseguidas e levadas para os campos de concentração. Pior que ser judeu num campo de concentração era ser homossexual. Sabias que eram violados com réguas de madeira e espancados continuadamente? Muitas das vezes à frente de toda a gente? Mesmo depois da guerra acabar, como a homossexualidade era um tabu, muitos do que sofreram este tratamento ficaram calados, porque só nos anos fiinais dos anos 70/ principios dos 80, a homossexualidade foi desconsiderada como crime em países como a França ou a Alemanha. Até lá, muitos se suicidaram (os sobreviventes) porque não conseguiram ultrapassar o que viveram. E não podemos pensar que foi há muito tempo. Não foi. Foi ontem.
EliminarSalvo erro, já tinha lido esta história em algum lugar.
ResponderEliminarForam, efectivamente, tempos muito difíceis para os homossexuais alemães e de todas as zonas ocupadas pela Alemanha. Além das humilhações, sevícias, maus tratos, os homossexuais ainda eram sujeitos a experiências "médico-científicas", como as lobotomias, uma intervenção tristemente inventada por um médico português, Prémio Nobel.
Para piorar, como referiste, o pós-guerra foi sinónimo de libertação para judeus, testemunhas de Jeová, romanis, etc, etc, mas não para os homossexuais, uma vez que a homossexualidade seria descriminalizada muitos anos depois.
Enfim, trágico. Pensamos que as atrocidades estão lá para a Idade Média e, afinal, as maiores tiveram lugar no século XX, tão pertinho de nós...
p.s.: Se houver alguma gralha, já escrevi isto meio a dormir (cama, já!).
Sabes Mark mesmo se tivesse gralhas era um comentário válido. Talvez mais válido que aqueles comentários muitos elaborados e corrigidos.A verdade é que não foram só os judeus a sofrer. Houve muitos outros e a questão dos homossexuais é recente, porque foi uma verdade bem escondida. Só em 2002 é que a Alemanha pediu formalmente desculpa à comunidade homossexual pelo o que sofreu no Holocausto. Ontem estava a ler umas coisas sobre o assunto, e daí esta publicação, e vi coisas que nunca pensei ser possível. E o primeiro chefe das SS era gay e ajudou Hitler a chegar ao poder, mas quando este último percebeu que a homossexualidade do primeiro poderia ser um problema não teve nenhum pudor em mandar matá-lo porque não era puro. Para ele, os homossexuais não eram puros porque apesar de até serem "arianos" (coisa que nem sequer existe) não podiam procriar e assim eram "inúteis". E além de tudo o que li me ter deixado chocado, mais chocado fiquei com o facto de que a taxa de sobrevivência dos homossexuais nos campos de concentração era muito baixas, mais baixas que os outros público-alvo como os judeus, por exemplo. Mas as pessoas têm a memória curta. Infelizmente.
EliminarEstou horrorizado. Completamente.
ResponderEliminarComo é possível? As pessoas que assistiram a isso devem ter ficado completamente traumatizadas. Um pouco ao espelho dos nossos combatentes na Guerra Colonial.
Não sei se conseguiria ler o livro...
Como não podiam falar do que passaram Horatius, muitas destas vítimas acabaram por se suicidar, porque a homossexualidade era crime. E quem teve o azar de ficar sobre a administração da antiga URSS não teve melhor sorte.
EliminarEm relação há homossexualidade, eu próprio reconheço que ainda hoje, apesar da voz oficial do partido ser a favor, é uma daquelas coisas que se defende e em que muitos não acreditam. Há aí um caminho ainda a percorrer...
Eliminareu ando a ler o livro de Anne Frank e este texto ainda aumenta mais o meu desprezo aos nazis, foram golpes demasiado baixos, demasiado!
ResponderEliminarKyle esperemos que nada disto se repita pela Europa.
Eliminarr. será sempre, mesmo :)
ResponderEliminarQue horror.
ResponderEliminarFiquei com lágrimas nos olhos...
Anouska compreendo perfeitamente. Eu também fiquei super revoltado.
EliminarTenho também que comprar este livro! Não só pela parte que fala sobre a homossexualidade, mas porque é também um testemunho dos horrores dos campos de concentração. É um tema que me interessa, na medida em que, não devemos voltar a cometer os mesmos erros!
ResponderEliminarSim Adam, e durante muito tempo foi falado apenas do povo Judeu, e embora tenha sido o grosso das vítimas, a verdade é que houve muitas mais, e por muitos mais motivos. Um deles, a homossexualidade.
EliminarNão há dúvida que "o homem é o lobo do homem". É absolutamente impossível imaginarmos o que será ter vivido tais situações. E assustador pensar que não aconteceram a assim tanto tempo.
ResponderEliminarEu faço ideia como é que muitos sobreviventes conseguiram depois "sobreviver". E queixamos nós de coisas sem importância. Senti-me pequenino Mr Lekker.
EliminarQue forte, que horror! não tenho palavras, não tenho palavras.
ResponderEliminardentrodabolh.blogspot.com
Os humanos são capazes das maiores atrocidades Bolha. Infelizmente.
Eliminarr: sim no pulso :)
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