Com as experiências que tive na vida, tornei-me no que hoje
sou. E vejo esta coisa do bullying com alguma curiosidade, dado que na minha
altura era chamada de “aprendizagem” e era considerado um mal necessário para tornar
“um rapaz num homem” - e também evitar que ele "desse para o outro lado". Apesar de tudo, acho que sempre fui muito social, muito
aventureiro, muito gozão e muito divertido. Também era franzino. E sempre tive
problemas de nervos, porque há coisas hereditárias das quais não conseguimos
fugir. Lembro-me, não dos casos todos, mas daqueles que mais me marcaram.
Lembro-me que começou antes de frequentar a escola primária. Lembro-me que numa
festa qualquer da terra dos meus pais, a filha de um casal amigo deles, mais
nova que eu, mas com o dobro do meu tamanho me deu um “enxerto de porrada”.
Lembro-me da minha mãe querer ajudar-me e o meu pai não ter deixado “porque
tinha que aprender a defender-me”. Depois também havia o Marco. Mais velho que
eu, 6 ou 7 anos, e achava que um puto de 5/6 anos era a diversão ideal para uma
tarde. Diversão com murros, pontapés e tudo o que aguentasse até chorar.
Infelizmente, ou felizmente, não tinha (e nunca tive) a resistência do miúdo da
Figueira da Foz, porque começava a chorar muito rápido. Aliás, ainda hoje em
dia, por vezes começo a chorar por parvoíces, mas lá está… “há coisas
hereditárias das quais não conseguimos fugir”.
Depois lembro-me bem do meu primeiro dia de aulas, quando
entrei para a escola primária. Lembro-me de ter voltado com um amigo meu para o
recreio, depois das aulas terminarem. Lembro-me de ele ter conseguido fugir e eu
não. Eu fui “apanhado” por uns putos da quarta classe que me queimaram o
cabelo, que me agarraram e meteram medo, porque gritavam que me atirariam para
uma fogueira, que ali estava para queima das folhas de outono. Lembro-me de
estar aterrorizado e de ter fugido. Acho que só chorei quando cheguei a casa,
depois de correr como “se não houvesse amanhã”. Depois deste episódio a coisa
acalmou. Pelo menos até ao último ano da escola primária onde a Fátima - aluna que
tinha chegado naquele ano vinda de uma escola problemática – resolveu implicar
comigo. Era dois anos mais velha que eu e com um corpo de uma adolescente de 16
anos. E começou a meter-se comigo. E resolveu bater-me todos os dias, quando
tinha essa vontade. Para quem tinha um corpo de puto de 7 anos, era difícil, por
mais que tentasse, defender-me. Aliás, aquela barreira psicológica de que “não
se bate a meninas” também ajudava muitas vezes à inércia que se verificava. A Fátima
só me deixou na Preparatória, quando passei para o 7.º ano e ela deixou de
estudar.
Entretanto, desde o 5.º ano até ao 7.º ano, a juntar à
Fátima, tive na minha vida o João (cujo pai era Juiz e os professores não
podiam fazer nada), o outro João (que tinha uma irmã que também adorava
provocar terror) e o Telmo (que já devia de estar no 9.º ano, mas ainda marcava
passo no 6.º). Obviamente, que com a porrada que levamos, vamos aprendendo
estratégias para nos defendermos, ou melhor, para que a situação tenha menos
impacto. É claro, que sendo um dos melhores alunos da turma (sempre o fui até
ao 12.º ano) tinha motivos redobrados de atenção, para ser o primeiro a levar um
murro, um pontapé ou um estalo. Também não podia contar com a ajuda dos meus
amigos, porque enquanto nós tínhamos um corpo de criança, os outros já tinham
corpos bem desenvolvidos e quem se me metesse entre mim e os agressores, também
levava por tabela. E o que faz uma pessoa como eu? Tenta desviar as atenções e
quando escolhem outro para implicar nós suspiramos de alívio… e mesmo contra os
nossos princípios, acabamos por entrar no jogo. Também contar aos meus pais não
era hipótese. Porque o meu pai responderia logo “tens que te defender” e a
minha mãe ia logo à escola… a escola mandava chamar os alunos em questão… e os
alunos em questão apanhavam-me sozinho atrás do pavilhão e tiravam satisfações –
leia-se “agrediam-me novamente”.
É claro que estas coisas deixam marcas, ainda por cima,
quando somos/estamos mais vulneráveis. Talvez por isso, hoje, me coloque sempre
ao lado dos pobres e oprimidos, e tente sempre, quando possível, ajudar. Odeio injustiças
e não me calo, mesmo sabendo por vezes, que terei represálias por isso. Mas lá está. Temos que saber o que queremos da vida e assumir as escolhas que fazemos.
poças! o meu bullying não foi nada. implicavam com o meu apelido, tipo, quando chegas a.... eu ficava danada, era um colega do ciclo, foram 2 anos terríveis e depois apanhei-o no 9.º e saca de me dar dois beijinhos, como se não fosse nada. e eu, olha-me este, esqueceu-se do que me disse, mas eu não (não o lembrei do facto, mas nunca lhe dei confiança). não, nunca mais o vi nem sei onde param os meus colegas do secundário.
ResponderEliminarE além de ser o melhor da turma e não jogar/odiar futebol era a combinação perfeita. E era de uma altura que não havia bullying, ou melhor, não se falava disso. Era considerado como um processo de crescimento normal.
EliminarSim existem coisas hereditárias das quais não nos livramos mas devemos aprender a lidar com elas. Isto é fundamental...
ResponderEliminarBeijão
Paulo e saber ultrapassar, analisar e arrumar.
EliminarBeijão
Ufff! Não passei por nada do que tu contas, talvez por ser mais encorpado, mas lembro-me de sofrer muito com bullying psicológico. Talvez por isso tenha criado, como tu, uma aversão muito forte a tudo o que seja injustiça. E é importante contar, como fizeste. Obrigado.
ResponderEliminarJoão Maximo contei apenas alguns episódios. Infelizmente tive mais, mas isso fez-me o que sou hoje. Não posso dizer que tenha sido perseguido por ser gay, até porque nessa altura ninguém pensava nisso, mas é verdade que o insulto mais "fácil" era chamar de "maricas" ou "paneleiro" porque a sociedade aceitava essa questão como "educativa". Não se falavam por cá de "direitos LGBT".
EliminarLendo teu post me vi durante o colégio (graças a Deus já faz tempo), mas veja como se tornou um ser bem legal, preocupado com os oprimidos e pobres, que apesar da carga hereditária, fizeste de teu livre arbítrio tua escolha, o caminho que trilhas, no final, apesar da dor, da humilhação, sobrevivemos, então somos fortes. Gostei daqui.
ResponderEliminarps. Carinho respeito e abraço.
Jair bem vindo! Obrigado pelo comentário e o seu carinho! Abração.
EliminarEngraçado que também sofri esse bulling por ser o melhor da turma. E eu fazia uma força pra nao ser afeminado, mas um dia me vi com toda minha turma me chamando de "viadinho".
ResponderEliminarEngoli o sapo (e alguns dos socos, escola de suburbio nao foi facil) e fui avançando a minha vida escolar, que é basicamente uma migraçao para a high society brasileira (universidade).
Uma pena que seja assim. E parabéns por estar sempre ao lado dos mais fracos.
Douglas não é fácil aceitar que somos colocados de lado porque as pessoas não nos percebem ou têm alguma inveja que nem sabemos do quê. Posso dizer-te que eu adorava a escola e aprender, mas chegou a um certo ponto que pensava do que isso valia porque era sempre colocado de parte porque me esforçava e tinha notas razoáveis. Ou seja, os miúdos não podiam ter boas notas, só as miúdas. Nesse período não se falava de um rapaz ser gay ou não. É claro que se insultava usando esse preconceito, mas acho que a questão da humilhação era mais além. Era uma brincadeira para satisfazer alguns - o que torna a coisa ainda mais perversa.
EliminarOlha, eu tive um que me chamava nomes femininos, e curiosamente era mais novo que eu. Era um panconazinho... LOLOL
ResponderEliminarNunca gostei de futebol, nunca joguei e fui "parcialmente" posto de parte por isso. Mas isso também não foi bullying...
Não é bullying mas é exclusão, que também dói.
EliminarO bullying não é necessariamente físico. Pode ser verbal. É sempre humilhante.
EliminarVi-me várias vezes no seu texto. Até hoje sofro com as "sombras" desses episódios,
ResponderEliminarDominus, ponderei escrever o texto ou não. Sabes que não queria que me vissem como um "coitadinho que sofreu muito" ou que me expusesse demasiado, porque durante a minha vida toda sempre ouvi dizer que os "homens não choram" e sempre me mandaram engolir o choro. Mas a verdade é que esses episódios fazem parte de mim e para que consiga dar um passo em frente, tenho que os assumir. Mostrar que passei por eles, mas não me envergonho das reacções que tive porque foram as possíveis na altura. Sem duvida que me tornou mais forte, mais realista, mas também mais desconfiado e mais recatado (no que aos sentimentos diz respeito).
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EliminarTambém tenho esse medo de ser visto como "coitadinho" quando falo sobre isto. Eu tinha uma voz bem aguda na infância, daí você pode deduzir o "inferno" que foi minha vida no ensino fundamental; Bicha era o mais sutil dos xingamentos. A puberdade foi a minha redenção.
Tempo atrás numa sessão de terapia, a psicóloga me disse que crianças são seres naturalmente maus, o que muda ou reforça essa característica é o que recebem dos pais como educação. Saber disso me trouxe um certo conforto e reduziu um "certo ódio" que eu tinha dos meus algozes.
Hoje, tenho plena consciência de que não serei o primeiro e nem o último a passar por isto, e igual a você isto contribui e muito para quem sou hoje, tanto em aspectos positivos quanto em negativos: Uma pessoa empática, sensível, um bocado desconfiado e com algumas dificuldades de expressão que estou superando aos poucos.
Namorado eu há uns meses falei no meu blogue do bullying que sofri (não tive direito a agressões fisicas de terceiros) simplificando, as palavras que nos dizem por vezes magoam, por vezes deixam marcas ao ponto de fazer o impensável e acabamos com a boca cheia de terra e sangue e termos que levar pontos e porque a sorte está do nosso lado, o traumatismo craniano era só um cenário ilusório. A piada é que anos mais tarde quem provocou a situação não se lembrava, e nem teve noção do que provocou. E já agora, ser tocado no gozo porque julgam que é isso que queremos deixa marcas.
ResponderEliminarQuem faz bullying deveria era de pensar duas vezes antes de fazer sentir os outros como se fossem inferiores. Se karma is a bitch espero que todos recebam a dobrar o mal que fazem aos outros.
Limite, no caso dos miúdos culpo os pais, até porque eles repetem o que vêem em casa.
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